José Eduardo Franco (coord.)

Prefácio de Manuel José do Carmo Ferreira

Lisboa: Gradiva, 2011

 

Do texto de Apresentação, por José Eduardo Franco:

“Há um reconhecimento surpreendentemente unânime em afirmar que Manuel Antunes marcou indelevelmente várias gerações de alunos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa na segunda metade do século XX. Podemos mesmo afirmar que se construiu aquilo que podemos chamar uma escola de admiração em torno da figura de Manuel Antunes por parte dos alunos e de muita gente que, de diferentes modos, conheceram e conviveram com este Professor de Letras e Padre Jesuíta.

 

Dois grandes palcos deram visibilidade ao seu extraordinário talento intelectual e grandeza humana: a Casa de Escritores dos Jesuítas, como redactor e director da Brotéria, e as salas de aula da Faculdade de Letras, nomeadamente o Anfiteatro I, onde regeu, entre outras, a célebre cadeira de História da Cultura Clássica.

 

A sua cultura vastíssima, a sua forma peculiar de ensinar e cativar os alunos pelo poder avassalador do seu saber, o seu exemplo pessoal, o seu modo de acolher, de conversar, de disponibilizar-se, de ouvir, a sua palavra fina e assertiva, a sua forma de pensar e de sintetizar um pensamento acutilante, prospectivo e lúcido sobre o passado, presente e o futuro, a sua direcção e intervenção cultural à frente da Revista Brotéria, o seu empenho pela renovação da Igreja e da Companhia de Jesus, a sua resistência discreta mas proactiva contra o regime ditatorial, a sua capacidade de abertura e diálogo ecuménico em relação ao outro, ao que pensava de maneira diferente, fizeram de Manuel Antunes um mestre da palavra sábia e da vida digna.

 

A extraordinária produção escrita, primeiramente dispersa em artigos publicados principalmente no órgão por excelência de cultura dirigido pelos Jesuítas, a Revista Brotéria, acompanhada por décadas de magistério exigente na Faculdade de Letras como professor e na orientação espiritual como padre, foram fecundas de linguagem nova, da criação de uma mundividência esclarecida à luz de valores e critérios humanistas e cristãos cimentados numa reflexão que dialogava com as grandes correntes do pensamento e a tornava interrogadora de modelos estáticos e rasgava, de facto, horizontes novos de compreensão do homem e do cosmos.

 

Todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecer e conviver com este homem especial, testemunham a importância fecundante do seu ensino, da sua palavra para a formação de um pensamento crítico, de uma visão profunda da cultura, de uma forma qualificada de ensinar e de estar na vida.

 

Este livro que aqui se publica acaba por constituir uma espécie de caixa de ressonância de memórias, de testemunhos, de depoimentos, de fragmentos, de retratos e de retalhos, uns depositados por escrito sobre diferentes formas e registos, outros, a maioria, recolhidos expressamente para este livro.

 

A preparação desta obra começou mais exactamente no ano de 2005, no contexto da homenagem nacional realizada a Manuel Antunes que promovemos com uma equipa vasta de conterrâneos, admiradores, conhecedores e jovens reunidos sob os auspícios da Casa da Comarca da Sertã e da Câmara da Sertã e que teve o decisivo apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Assinalando os 20 anos da Morte de Manuel Antunes, não se quis deixar submergir pelo olvido a memória deste homem invulgar e a sua inspiradora obra. Neste ano multiplicaram-se várias iniciativas que culminaram com um grande congresso internacional na Fundação Calouste Gulbenkian subordinado ao tema geral Padre Manuel Antunes (1918-1985): Interfaces da Cultura Portuguesa e Europeia, e a inauguração da edição dos primeiros dois volumes dos catorze da obra completa deste pensador que muitos consideram um dos maiores do século XX português.

 

No decorrer daquele ano, em que tivemos a oportunidade de contactar com diversas alunos e amigos do Padre Manuel Antunes, começámos a colher e a reunir, muitos deles sob a forma de entrevistas (umas feitas por nós outras pelo jornalista Manuel Vilas Boas para a TSF, a quem muito agradecemos), depoimentos, memórias e também textos já escritos sobre aquele homem de quem todos diziam ter influenciado de forma especial a vida de muitos.

 

Esta obra é, pois, uma obra testemunhal escrita, na sua maior parte, na primeira pessoa daqueles que aceitaram recordar os traços, os tempos, os factos, os dramas, os sucessos, as expectativas de tempos grávidos de mudança e de transformação vertiginosa tanto em Portugal e como numa Europa marcada por grandes expectativas. Mas esta obra além de por em evidência a excepcionalidade de um pensador e de um pedagogo que teve um papel relevante ao serviço da construção de uma sociedade mais democrática e livre em Portugal, acaba por funcionar como um revelador jogo de espelhos, onde na relação com a figura central e protagonista da obra permite aceder ao conhecimento de factos, acontecimentos, pormenores pertinentes, e mesmo algumas revelações em torno da história da segunda metade do século passado. Este aspecto torna esta obra estimulante e interessante para quem quer estudar e conhecer os enlaces e desenlaces da política, da mudança de regimes, das reformas pedagógicas, das transformações da cultura e da religião.